"Tudo era claro, jovem, alado. O mar estava perto. Puríssimo. Doirado." - Eugénio de Andrade
29 maio 2007
V
25 maio 2007
17 maio 2007
IV
11 maio 2007
allegro ma non troppo
o poeta sofre sem chão,
as paredes ruiram, o tecto desabou,
o silêncio permanece
tão escuro, massa de ar frio,
e as lágrimas caem no papel
que só fala quando lhe escrevem
em cima, o ofício do poeta
é o desencontro, o vazio,
a palavra trabalhada, as mãos
que interminavelmente vão beber
um choro angustiado,
o orvalho e as giestas,
o mar teus olhos tão verdes,
e de novo o silêncio, ou
este ar tão pesado, ofegante,
pedra cintilante, ou o teu sorriso,
allegro ma non troppo.
08 maio 2007
III
Por isso eu sigo para os lugares onde gostas de adormecer, é essa a minha história, é essa que te conto, e a que queres ouvir todas as noites. As palavras que te vou dizer ainda não as sei, ainda não as conheço, vou descobri-as enquanto não te encontrar, enquanto te procurar. Talvez te escondas nas margens de um Inverno que deve estar para chegar, ou nas malhas de um cachecol que espera dias mais frios para aquecer o teu pescoço, não sei.
Durante quatrocentos anos sonhei com manhãs no mar, o vento salgado nos olhos. Como tudo era simples! Ouves a chuva a pingar através das folhas? Quantas semanas já passaram? Sinto que o Verão está a ir-se embora… Tu não respondias, e era esse o tempo de falarmos, de olharmos nos nossos olhos. Um dia, não há muito tempo, talvez te lembres dessa manhã, acordámos
Desço as escadas, como são pesadas, ou serão os meus passos, lá fora paira um dia nublado, pombos nos beirais, e tu que não voltas, e eu que ainda não te encontrei. É preciso ir buscar-te, é preciso falar-te, ter a certeza que respiras antes de falar e de me dizer, Olá, e de eu te pedir, Volta. É nesta rua que estás, é o que te pergunto, não te esqueças que estarás sempre comigo, sempre a tua pele ou o teu cabelo, não, aqui não te encontro… Nesta outra rua também não, talvez do outro lado da cidade, quem sabe, ou no fundo de uma rua aberta para as margens de um rio, e mesmo aí continuo sem saber o que fazer, confesso que tenho medo. E foi ontem o dia em que chegaste, trazias um vento quente, que já não é destes dias, e quando nos deitámos chegou o Outono. Estou a pé, não sei já quanto andei, e passa sempre uma eternidade quando nos sentimos infelizes. Parece-me que já passei por aqui, nos cafés ninguém se incomoda, ninguém liga, as pessoas vão dormir calmamente e eu procuro-te, quase te vejo do outro lado de uma esquina, mas aquele cabelo não é o teu, aquele andar e a aqueles dois ombros não são os teus. E agora sim, pela primeira e última vez até te encontrar, quem sabe, são lágrimas, muitas, como um fio, que deixo cair até à boca. Eu sei, nesta cidade não estás, e não me apetece procurar-te debaixo de cada pedra, nas caves dos prédios que são tantos, e tu não irias para qualquer um desses lugares. Foste para outro lugar, ao Sul, é para aí que vou, tenho a certeza, foste ver o mar, foste ver passar o verde do céu, depois o azul, depois o cinzento, eu sei, não repitas, um dia acordaste e viste-o branco. Chove tanto, e eu saio para te ver, vou viajar, vou para Sul, far-me-á bem sair um pouco das muralhas do castelo.
02 maio 2007
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Ontem foi o dia em que chegaste. Ontem foi o dia em que chegaste, disseste tu, com os olhos bem abertos, cheios de lágrimas de luz, como se o sol e a lua tos pintassem ao mesmo tempo, como se não houvesse noite nem dia para distinguir as cores do teu cabelo, e das ondas desse mar, já não sei hoje o que é onda de mar e cabelo teu. Gritaste do fundo dessa nuvem, falavas e não ouvia, às tantas nem ouvias tu já o que dizias, mas hoje sei o que disseste, Espero-te na volta de um beijo, foi o que disseste, e disse-mo a primeira luz do dia, a primeira luz fria da manhã. Não o ouvi de ti, mas antes queria, preferia ver-te abrir e fechar os lábios, ouvir-te prolongar essa última sílaba sempre eterna, como se construísses um suspiro feito de fins de palavras. Espero-te na volta de um beijo, suspiraste, mas eu não ouvi.
E agora que não sei onde estás de que me valerá sabê-lo, é o que pergunto, talvez valha, talvez siga para os lugares onde exista esse vermelho de que te pintaram os lábios, esse vermelho-tu, que vai sendo um vermelho-eu também. Talvez procure quando uma nuvem para onde estiver a olhar se pinte de vermelho-tu, e a siga até que essa nuvem chova em mim e te possa colher como um fruto na minha mão, depois na minha boca, depois no meu corpo, até não sabermos mais com certeza onde acaba esse vermelho-tu e onde começa esse vermelho-eu. E na verdade foi apenas há umas horas que estivemos juntos debaixo das pedras do castelo, era ali que gostávamos de ficar sem saber para onde ir, sem precisar sequer de ir a lugar algum.
Eu sei, eu soube sempre que gostavas de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul e o cinzento, ver passar aquele vento quente de Setembro, depois esse que vem frio, gostavas de ver cair a chuva, depois olhar para uma gota que fazias parar no ar, suspensa, e dizias, Aqui estás tu, lá em baixo estou eu, e depois fazê-la cair no chão seco, como alguém que espera um beijo. E era nesses dias que gostavas de te sentar, ver passar o fio do tempo recortado por essas palavras que dizias, soltas ou entrelaçadas, húmidas se tocavam os teus lábios, secas se vinham como um grito, mas sempre querendo ir buscar-te ao fundo desses dias onde gostavas de te sentar, sem nada que ouvisses, sem nada que visses ou quisesses ver, e levava-te por um abraço, mais ou menos apertado, mas sempre esses braços cingindo-te, resgatando-te.
Gostavas de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul, o cinzento, um dia destes acordaste e viste-o branco, no outro dia anoiteceu pintado de laranja claro, e foi um sonho que tiveste, não sei e não sabes se por causa da cor do céu, se por causa dessa lua que te chamava. Sonhaste que ela vinha também, não a lua, mas uma voz que tinha uma boca, uma boca que tinha um rosto, rosto esse que tinha um cabelo e pescoço, um cabelo e pescoço que tinham ombros, esses ombros e cabelo de que falo e que eu tanto quero tinham um peito onde cair, esse peito que falo e que também quero tinha uma cintura, essa cintura, acaso os teus olhos desviam para lá o olhar (secretamente), não termina nunca, mas logo logo começam as pernas, sem que disso te apercebas, brancas de marfim, e essa voz que tinha um corpo era ela, era um corpo que tinha uma voz, uma música, um embalo onde te pudesses sentar e ver as cores do céu passar, não sozinho nem adormecido já, mas junto a esse corpo que tem uma voz, a essa voz que tem um corpo. O teu.