25 junho 2007

É uma espécie de corrente

Em estado de graça e no começo das férias depois de um ano em que meses como Janeiro, metade de Fevereiro e Maio parece que não existiram, a minha estante quase não se mexe - os livros lá estão alinhados, muito quietos, pacíficos. A minha relação com eles é, provisoriamente, ideal, platónica.

Há uns meses descobri o Miguel Torga. Li a "Criação do Mundo", que no fundo é a vida do autor contada em cinco dias: a criação é a criação do seu mundo, do ser que o habita, e em cinco dias vão-se contando histórias de S. Martinho de Anta, do Brasil, de Coimbra... Não fosse o meu périplo pelo Saramago ainda a meio, tinha já satisfeito a curiosidade que ficou depois de ler a "Criação do Mundo".

Recentemente, li "Levantado do Chão", de José Saramago. É Saramago avançado, como eu costumo dizer, mas não é difícil de ler sobretudo depois de se passar pelo "Ensaio Sobre a Cegueira" e o "Evangelho Segundo Jesus Cristo". "Levantado do Chão" é um livro sobre o Alentejo, sobre as gentes do Alentejo, sobre o latifúndio, o trabalho na terra, o sofrimento do povo trabalhador, mas gira sobretudo à volta de uma família e de tudo o que lhe acontece. É por vezes muito forte nas imagens e relatos.

Na minha estante está também "O Arco do Triunfo", de Erich Maria Remarque. Em Paris, vésperas da Segunda Guerra, Ravic (nome falso) é checo, trabalha como médico numa clínica, é clandestino e vive durante a noite, mas sempre com medo de ser apanhado e repatriado. São sobretudo comoventes as imagens dos quartos por onde Ravic vai passando, os monólogos que tem consigo mesmo, a vida desolada e quase sem sentido, e a paixão por Joan Madou...

Na minha mesinha de cabeceira está sempre o Eugénio de Andrade, ou o Eça, e o Calvin...
Obrigado ao CBS pelo desafio, e desculpas pela distracção.

24 junho 2007

A saudade está nos teus olhos,
candeias abertas à luz escura
de uma noite fria, o vento não pára,
o não estares aqui custa-me a cor
da minha pele, mostram-se os ossos
aos ossos do sol.

A saudade vê-se nos olhos,
no respirar pesado e grave,
o desânimo absoluto escurece
as paredes como a humidade,
o sorriso desaparece
do domínio dos lábios.

O desenho da saudade
está nos teus braços, quando
abraças o ar, o vazio,
a ausência de um corpo,
a saudade é uma luz
esquelética, sem cor,
perene. Saudade
é saudade.

10 junho 2007

Despidos, o meu corpo e o teu
encontram-se como aves
de primavera na primeira
luz fria da manhã.
Braço, língua, lábios, o teu ventre
é um pomar, as abelhas chegam
com o sol, vão beber o pólen
às flores, e eu vou com elas,
beber-te nas horas de sombra
e de escuridão.

As manhãs nascem tão breves,
polidas, eu não as vejo,
só tu observas aquela luz
fria que indistintamente
começa com o dia,
o frio lentamente cede lugar
ao calor de um primeiro dia
de Verão.
A música é quase sempre azul,
os teus olhos sempre castanhos.

Era uma noite fresca, orvalhada
num desses teus jardins,
uma vela morria queimando o ar,
o mesmo que tu respiravas,
nos lençóis azuis tu adormecias
num abandono presente,
vincando a tua pele na pele
dos lençóis,,
a noite era tua,
tu eras a noite, apetecia
adormecer na palidez
metálica do teu pescoço,
nas breves areias
do teu peito, apetecia
ficar neste silêncio
de morte,

e esquecer.

Liberdade

Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa

09 junho 2007

Peço desculpa.
Vou abrir uma excepção. A começar agora.
Estou de férias. Acabou tudo. Ontem.
Obrigado a mim e a quem quer que tudo corra bem,
obrigado ao Beethoven e aos Smiths pela companhia
que me fizeram nas viagens pelo Código Civil, obrigado
ao Marx, que torna a economia política tão assustadora
e por isso tão interessante, obrigado ao prof. Vital Moreira
por ser tão engraçado na TV e nas aulas, obrigado
ao prof. Sousa Ribeiro por aquele recorte de jornal com
uma super-modelo semi-nua do outro lado, virado para
o auditório sorridente, obrigado à cafeína tomada várias
vezes ao dia. Obrigado ao Horatio Caine, ao Gil Grissom,
ao Conan O´Brien e ao Family Guy, à família Simpson.
Obrigado aos blocos de papel pautado, às canetas, que
escrevem, e por fim ao tempo, porque existe e nunca está
parado.
Peço desculpa, mas agora quero Verão. E livros,
e música sem ter numa sebenta o princípio e o fim,
o Direito como pretexto e como espectro cinzento vindo
da Twilight Zone, agora quero o não-fazer, o cheiro a Verão
num dia de calor ao abrir a janela, o mar como horizonte,
os dias intermináveis entre a praia e os amigos.
O trabalho compensa.
Peço desculpa, mas estou de férias.