28 setembro 2007

Setembro #2


Setembro fez-se de outra luz, uma luz quase-luz que se vai perdendo no ponto de fuga de um sorriso outonal. Ou da primeira folha seca que acaba de se soltar e vai caíndo no chão. Setembro fez-se de outra luz, a última dos dias claros, esses que te vão fugindo por entre os dedos. Setembro fez-se de uma praia sem sombras, de marés-vivas.

Setembro é uma aguarela para se pintar do som do mar.

22 setembro 2007

Setembro #1

Setembro: que lugar para dormir - ou nessas folhas que ardem pelo chão da tarde.
A sombra desse beijo que trazia abria-lhe nos lábios um corte profundo de cor escura. Era outro rosto, outros desenhos de ti que ele esperava, talvez pintados a lápis de cor e sem sair do limite. Mas esses olhos que usas teimavam em sair da própria luz do dia, exilados de ti numa outra margem ou pedaço de céu. Fugiam sempre, penetrando noutras fendas da minha pele. Era a tua voz que queria, para ir colher a primeira luz fria dasmanhãs, ou essa luz escura que cai depois do Sol.

Hoje tentei deslizar sobre a tua pele, querendo voltar a esse corpo de sal. Partir para não chegar, e sobretudo não voltar. Sair de mim, voltar a ti, ser tudo o que não sou para ser tudo em ti e voltar a mim no mesmo instante, sem pensar se me perdi ou se te encontrei. Gozar de toda a liberdade poética para te ousar, ir buscar-te onde não estás e deixar-te comigo onde não estávamos, estar contigo em lugar nenhum e visitar todo o lugar. Não te rias. Nem sempre o sonho serve para nos rirmos dele.

A sombra desse beijo que trazias abriu-me nos lábios um corte profundo de cor escura, uma fenda para onde te vais esgueirando e espreitando para dentro de mim. Descansa. Setembro: que lugar para dormir. Descansa: "o amor não contempla, sempre o amor procura".

eu não posso

eu não posso querer
as ruas e as esquinas
povoadas de ti,

o chão pisado pelos teus pés
e a poeira que debaixo deles
se levanta nos espaços onde tu não és
um corpo, matéria habitada, um mar
tão calmo de se dormir nele.

no fundo da boca um grito espera,
espera que um lago um rio uma maré
sejam um lago um rio uma maré.
brancos e pálidos na longa noite escura.

eu não posso querer
o céu povoado de aves tão negras,
a claridade tem ali também o seu espaço,
não posso querer o fogo e o gelo,
o canto e o gelo de um de um inverno
azul.

de noite o quarto escurece, apenas eu sei
que cores habitam o espaço da escuridão,
tudo se completa na ausência
de luz.

eu não posso querer a luz neste quarto
que só me conhece a mim. e só eu sei
o escuro que é ser eu.

16 setembro 2007

eu queria ser nada
e ver nada acontecer perto de mim
por estar cansado de ser nada

e tudo o que da noite e das sombras
aparentemente nasce, eu queria apenas

que tudo morresse, que indiscretamente
TUDO deixasse de existir,

e toda música poderia enfim serenamente
voltar de onde jamais partiu, voltar às cordas
de uma guitarra, o vento soprava e eu ouvia,
soprava e eu ouvia, soprava...
e ouvia...


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e
talvez o verão esteja tão longe
e os dias de outono junto à pele,
talvez seja apenas já um sopro
disforme, último reduto de uma dor

tão clara.

13 setembro 2007

Luís Goes - É Preciso Acreditar




É preciso acreditar,
É preciso acreditar
que o sorriso de quem passa
é um bem para se guardar
que é luar ou sol de graça
que nos vem alumiar

É preciso acreditar,
É preciso acreditar
que a canção de quem trabalha
é um bem para se guardar
E não há nada que valha
a vontade de cantar
a qualquer hora cantar

É preciso acreditar,
É preciso acreditar
que uma vela ao longe solta
é um bem para se guardar
que se um barco parte ou volta
passará no alto mar
E é livre o alto mar

É preciso acreditar,
É preciso acreditar
Que esta chuva que nos molha
é um bem para se guardar
que há sempre terra que colha
um ribeiro a despertar
para um pão por despertar.


O que os olhos choram

O que os olhos choram a boca não exprime, os lábios precisam de abrir e fechar, a voz precisa de vibrar, estremecer no peito como um trovão que se ouve bem de perto, sentado no chão, um trovão que vai cair mesmo perto, ao lado, à frente ou atrás, e aí o mundo desaba, a terra abre-se, serena. Intermitentes, as lágrimas caem no vazio, vão caíndo uma a uma, e as primeiras, as primeiras são as que têm para si guardada a tarefa mais difícil, desde a pálpebra de baixo até ao queixo é sempre a cair, o problema está em por onde começar, por onde ir, a pergunta impõe-se, decisiva, às primeiras lágrimas que caem de dois olhos, e o que os olhos choram a boca não exprime, esta secretamente encerra as palavras, e se mais cuidados forem precisos, as palavras aninham-se debaixo da língua, e aí ficam, esquecidas, todavia sempre prontas a colocarem-se no limite dos lábios, no limite do silêncio e enfim pularem para a sílaba, a palavra, a frase, e receberem outras. Algumas vezes, as lágrimas encontram-se com as palavras, mas também o sorriso se confunde com as palavras, e não esqueçamos que, não raras vezes, sem palavras que se consigam dizer quando o ar falta, as lágrimas entram, salgadas, onde os lábios se juntam, e a boca que exprime e diz mas que agora está calada vai beber as lágrimas que de lá de cima se chorou, que de lá de cima se deixaram cair, aflitas de não saberem onde morrer, e afinal encontram um refúgio seguro, uma boca que as beba, tão triste, uma boca que vai beber as lágrimas que os olhos choram é uma boca solitária, e que dizer dos olhos, também o são, é tudo tão triste, não ter outros lábios que nos venham beber as lágrimas, não ter outros olhos que nos olhem fundo na pupila, e ninguém que nos leve os dedos à pele da cara e nos enxugue toda a água salgada que ao fim de um dia fez um rio tão fundo. Mãe, porque é que o mar tem água, pergunta-se por aí, a resposta está no mal que se faz e no mal que depois se chora, o que os olhos choram a boca não exprime, estão ambos separados em tudo o que fazem, excepto quando os lábios sorriem, pois aí os olhos são obrigados a sorrir também para que não se possa mentir, e teremos a expressão de um fim sereno e repousado em que as lágrimas terminam e se pode respirar, limpar o sal dos lábios e recomeçar pois a noite começa hoje.

12 setembro 2007

E agora algo completamente diferente

Serge Gainsbourg - Le Poinçonneur des Lilas



A ideia é genial: um pica do metro de Paris que fura liláses...

Jacques Brel - Les Bourgeois






Às vezes na rua sorrio e canto muito baixinho: " Les bourgeois c'est comme les cochons
Plus ça devient vieux plus ça devient bête"