19 setembro 2006

Dormimos

Sabes o que te quero dizer.


Talvez ontem não soubesse, nem o soubesses tu, mas subia no ar um murmúrio, o ar estava quente, ainda não cansado, mas já pesado, entrava pelos nossos cabelos, entrava sem pedir na nossa pele, saía sem dizer Água vai, quando estava longe apenas dizia Água vem, e ficávamos parados sem nada dizer, que é como quem diz, ficávamos calados, convem esclarecer, muitas vezes estamos calados mas dizemos muito, mas nesta situação calados estávamos e mudos ali ficámos. Depois o dia adormeceu, deixou-nos por algumas horas, então adormecemos também, é o que fazem as pessoas quando não suportam a espera de um novo dia, mas que não têm medo dele. O dia começa cedo, não quando já vai a meio, ou quase no fim, nesse caso para quê acordar, para quê sairmos da cama, para quê viver, poderíamos perguntar se nos apetecesse, e é o que perguntamos, Para quê viver, então ficaríamos outra vez mudos, porque a resposta não vem, tarda a vir ou virá entretanto, embora nos pareça pouco provável. Não interessa todavia o que pensamos, se aqui estamos, se aqui podemos estar foi porque nos deixaram, não vamos então perder o tempo com histórias que nem mesmo para nós são importantes, seria pouco inteligente.


Dormimos, ou pareceu-me que dormimos, como podemos ter a certeza que dormimos se não nos lembramos o que fizemos, se nos virámos para o lado direito quinze minutos depois de adormecermos, se mexemos aquele pé, e não o outro, se abraçámos quem quer que estivesse ao nosso lado, se nos beijámos.

Apesar de tudo isto que fica dito, dormimos.

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