12 março 2008

Durante semanas não pude achar uma palavra, não pude construir com gosto e ideia os meus pensamentos, não pude articular um desejo, uma inspiração que fosse, uma ténue memória existia já sobre o que quer que tenha escrito ou dito nos últimos meses. Durante semanas não pude achar uma palavra, simplesmente não pude, qualquer tentativa saía amplamente inacabada, supérfula, esgotada às primeiras linhas. Mas hoje sei, isto é, descobri há uns dias aquilo que realmente sempre desejei. Eu sempre desejei uma plateia. Eu preciso de uma plateia. Pessoas que se sentem diante de mim e me vejam. E me aplaudam. É apenas o que preciso. Anda toda a gente a encher a barriga das frases e dichotes dos outros quando deviam estar a olhar para mim, a admirar-me, as mulheres a venerar-me. Seria de toda a justiça: eu sou maior do que eu próprio. Há muito que me ultrapassei. Há muito que deixei de ser eu para ser um eu distinto e completo. Não sei nem percebo o que terá provocado isto, reconheço porém que dias não faltam que concorram para que hoje eu não me sinta perto de mim, próximo o bastante para poder dizer que eu sou eu. Não. Eu sinto que cada vez mais há alguém que me habita para além de mim. Eu preciso apenas que me admirem. Preciso de uma plateia, preciso de palmas e de sorrisos; eu quero que todos oiçam a minha voz, ouvir-me do lado de dentro não tem piada nenhuma, é uma maçada ser-se eu sem que os outros me vejam; rapidamente me canso de estar só comigo. Comigo. Esse outro que para ali está e que não raras vezes chega aos berros: a perfeita síntese de um arrivista, suponho: um homem que estoira de soberba e de exageros: grita, esbraceja e graceja, todos o ouvem, todos o lêem, rebentam de rir assim que diz uma palavra, enfim, ele é a parte de mim que eu sempre desejei ser completamente, sem naturezas refractárias ou intermitentes; Eu quero ser inteiramente génio, inteiramente louco e exagerado, ateu, sanguinário, asqueroso, chocante; pois eu preciso apenas que todos reconheçam que sou inteiramente génio, louco e exagerado, ateu. Mas tudo está tão longe, é tudo tão difícil, pelo meio estão os dias, estão as noites que por serem tão escuras me custam tanto a passar: dói tanto, se soubesses, dói tanto estares em mim e sermos dois a habitar este corpo. Partilhar a minha voz contigo, tu, esse outro inteiramente génio, eu te invejo por seres quem és, por seres tudo o que eu não sou e talvez nunca serei. Eu preciso urgentemente de palmas, de uma plateia que seja como eu e que todos sejam como eu e me admirem, não tu, não ninguém, apenas eu mereço ser visto, ah se soubesses o que é ser eu e não tu, enfim sermos dois quando podíamos ser um. Deixa-me ser tu de uma vez por todas. Dá-me ao menos esse prazer de ser tudo num só corpo, de ter em mim sublimado um ser genial, todo em sarcasmos. Que sou eu. Que és tu. Eu to peço. Eu to exijo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Força!

Prova do que és capaz e ganhas uma fã.

Nuno disse...

boa, um desafio! :D quem és tu, lucy? e por favor não me respondas "ninguém, se já nem tu me conheces...", que eu estalava de mistério...

Anónimo disse...

Longe de mim dar uma resposta tão inteligente como essa.

Mas seria interessante ver um "génio, inteiramente louco e exagerado" estalar de mistério. Triste, é certo, mas interessante.

Excelente pergunta: Quem sou eu?

Nuno disse...

:P sim, quem és tu, uma vez que o teu nome não tem nenhuma hiperligação a colori-lo de azul: não tem saída, portanto...

Anónimo disse...

Oh Nuno,
acredita que não tenho nada de misterioso ou interessante.

- Não ando a espiar-te a mando da tua namorada
- Não sou a tua namorada disfarçada
(embora sempre tenha tido um desejo secreto de ser uma Jane Bond)
- Não sou uma apaixonada secreta a tentar arranjar maneira de me meter contigo
(estou cada vez menos interessante, não é?)
- Não sou alguém com quem tenhas cortado relações e agora estou a tentar aproximar-me usando outro nome.

Enfim, sou ninguém! (custa admitir, mas parece que é a verdade)

Vi um comentário teu no "La force des choses" e segui-te até aqui.
Nunca te vi, não conheço o teu cheiro e estou a umas centenas de kms de ti.

E não tenho hiperligação (não podemos ter tudo, não é?).

Agora, quem sou eu? Desculpa mas não posso responder porque nem eu sei.

Nuno disse...

excelente resposta...

e respondendo ao 3º ponto: antes pelo contrário, cada vez mais interessante: é como te dizia, não é frequente eu ter respostas assim, nem perguntas... deixa que também não sou um predador à espera de admiradoras :p simplesmente gostei do que disseste