03 setembro 2008

Rua

A pergunta foi atirada para o ar no meio do tremor da língua e da respiração, enquanto os olhos procuravam o cetim do vestido e um colo onde pousar,

Não posso falar, não posso dizer,

Estarem dois lábios adiados sem aparente razão, ficar um corpo a arder sem que se saiba porquê, e tu dirias, Esta a razão de as minhas mãos tão pequenas nas tuas tão grandes,

Desaparecerem, queres tu dizer

E a resposta também adiada, sem timbre nem côr, um silêncio de pasmar e de se ouvir a madeira a existir, uma secretária pesada de pau preto toda em gavetas, a porta diante dela sempre fechada, os tapetes no chão onde ficam os passos, destruíndo os passos que se dão, um à frente e atrás do outro sucessivamente, no fim de tudo o corredor debaixo dos pés com uma luz fria de inverno a entrar pelas janelas

Os passos - de quem eram?

A pergunta foi atirada para o ar no tremor da língua - entre os lábios adiados e vermelhos de neles o sangue, um peso no peito, o da respiração,

dois braços, eram dois braços de pau preto

Um vestido de cetim a um canto do mar diante da porta ou ainda debaixo dela, passando, e eras tu, uma onda de tecido a acabar com o silêncio

apenas o cetim

Os passos ficaram na luz fria do corredor com lajes de mármore pedra gelada para se morrer, à esquerda era a cozinha, toda forrada a livros e arquivos antigos, à direita, e antes dela, uma janela jorrava luz de dentro do prédio, caía num largo parapeito onde tantas vezes me sentava, longe do chão, a imaginar tudo

a Vara de Moisés a pesar no braço

Dois braços de pau preto diante da mesa metida a um canto diante da porta, esta metida a outro canto, e uma respiração à espera, adiada, a perguntar

Os passos - de quem eram?

O perfume escondido no marfim do pescoço onde uma vez beijos e a mesma respiração, agora só leveza e frescura, e eu a colher árvores e jardins inteiros para plantar à tua porta, uma rua inteira à espera que amanheças, nove e meia da manhã e eu sem dormir, um fantasma com as pálpebras mortas pela calçada sem rasto de sangue que as siga, Diana, adia-me esta rua para um dia de inverno, um dia em que eu possa entrar pela tua janela e tu estejas a verter o mar inteiro

(os olhos verdes como a erva mais alta de Maio)

pelos teus olhos.

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