03 dezembro 2009

Há um país em que existem montanhas, nas montanhas erguem-se cem vezes cem escarpas e nas escarpas mil vezes mil cedros as povoam, desde os planaltos mais remotos até onde as brisas frescas daquele verde mar, em baixo, encontram as colinas e as praias desertas. Quando fores nesse batel, nau, caravela, couraçado, iate, cruzeiro, leva um cedro contigo, leva uma dessas árvores contigo, com ela estarás sempre à porta de casa, encostando um ombro entre a sombra e a claridade, olhando as escadas que te levam onde já sabes que te levam, mas sempre essa subida a guardar mistérios, a reter segredos, Que segredos, perguntas tu, e a resposta não tarda, pelo menos não deve tardar, porque não é segredo, não é segredo absolutamente nenhum que depois daquela porta todo o mundo é silêncio, melhor pensando, silêncio não será propriamente, um dia descias a rua, levando-te os teus passos, pesados porque descias, pesados do peso de existir, Que palavra, existir, Sim, que palavra, descias então a rua e depois aproximaste-te da porta, a mão escorregou pelo bolso, pertíssimo do preciso local por onde até há pouco meus lábios se perderam, os dedos pegaram na chave que é a que te dei para que pudesses abrir a porta, o pé esquerdo pisou finalmente o primeiro degrau, não sei de onde me veio esta crença de que foi o pé esquerdo o primeiro, são coisas que se sabem, depois o direito, decidido, por fim os teus ombros transpuseram a fronteira entre um mundo e o outro, e depois silêncio, afinal a resposta sempre tardou, tardou umas poucas linhas, quem as ler julgará que esqueço a resposta, mas prometo-te, não te faltará uma resposta, Que segredos, creio ter sido a tua pergunta, e onde os teus ombros estão é só segredo, perdão, é só siléncio, mas pensando melhor não é bem silêncio, é outra coisa, sim, outra coisa, com esta ausência de rigor que tão mal fica na pretensão literária, Uma coisa será, mas o quê, Não faças mais perguntas do que as que posso responder, por onde me levam as palavras não sei, neste momento a minha certeza é apenas uma e simples, a de que não é silêncio o que existe depois daquela porta e antes das escadas que tantas vezes subiste, é muito mais do que silêncio, é o outro modo de ser de todas as coisas, Do Universo, Sim, do Universo, se quiseres, a quarta, a quinta, a sexta até à décima primeira dimensão, desde as pedras antiquíssimas que são as ombreiras da porta, as lajes azuis onde ainda se conserva um frio glacial que já não existe, e o silêncio, que assim devemos chamar o outro modo de ser de todas as coisas, a lembrar o fogo primordial, essa combustão criadora acesa pelo lume de dois corpos que se consomem numa explosão de beijos, facas e gumes, a lembrar a fresca brisa pacificadora que nos trás as palavras que dizemos, a lembrar o chão que os passos que damos, sucessivamente, rua acima, rua abaixo para nos cruzarmos com as sombras e vultos de nós próprios escalando as árvores do desejo, e a lembrar, por fim, não te esqueças, a água, o mar para onde todos voltamos, o mar onde o ciclo se esgota e renova pelos milénios que foram e hão-de vir, e o silêncio, ou o outro modo de ser de todas as coisas.

1 comentário:

. disse...

«(...)Algumas vezes, as lágrimas encontram-se com as palavras, mas também o sorriso se confunde com as palavras, e não esqueçamos que, não raras vezes, sem palavras que se consigam dizer quando o ar falta, as lágrimas entram, salgadas, onde os lábios se juntam, e a boca que exprime e diz mas que agora está calada vai beber as lágrimas que de lá de cima se chorou, que de lá de cima se deixaram cair, aflitas de não saberem onde morrer, e afinal encontram um refúgio seguro, uma boca que as beba, tão triste, uma boca que vai beber as lágrimas que os olhos choram é uma boca solitária, e que dizer dos olhos, também o são, é tudo tão triste, não ter outros lábios que nos venham beber as lágrimas, não ter outros olhos que nos olhem fundo na pupila, e ninguém que nos leve os dedos à pele da cara e nos enxugue toda a água salgada que ao fim de um dia fez um rio tão fundo. Mãe, porque é que o mar tem água, pergunta-se por aí, a resposta está no mal que se faz e no mal que depois se chora, o que os olhos choram a boca não exprime, estão ambos separados em tudo o que fazem, excepto quando os lábios sorriem, pois aí os olhos são obrigados a sorrir também para que não se possa mentir, e teremos a expressão de um fim sereno e repousado em que as lágrimas terminam e se pode respirar, limpar o sal dos lábios e recomeçar pois a noite começa hoje.»

Nuno Morna.


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