09 julho 2010

E contemplávamos longamente a eternidade com os olhos já feridos da luz que caía das pedras do castelo.
Pelas escadas vagamente inclinadas respiravam ainda, na frescura das pesadas pedras de mármore que um dia receberão os nossos ombros, os passos que déramos, há pouco mais de uma hora, para as subirmos, no cimo dessas escadas surgiu uma porta que tivemos de abrir e no fim de tudo quatro ombros quase simultaneamente transpuseram o obstáculo final, e no fim de tudo a criação do mundo e dos afectos, essa misteriosa natureza seminal e refractária, todo o acto de criação tem na sentença um acto de destruição, final e irredutível, lá fora um dia quente ardia e subia à copa das árvores para contemplar a cidade que, durante a tarde, havia tomado ao fim de semanas de cerco, foi assim que aconteceu quando o general subiu o rio à procura dos Buendia, Macondo não estava no mapa que levava, e foi nessa selva que sepulta, nessa selva onde o sol apenas deita, ao erguer-se, a luz mais baça da manhã, foi nesse longínquo deserto sem olhos que o general se viu na sombra do galeão, faltavam quatro dias para o último dos cem anos.
Eu queria que apenas todos os rios se abrissem para os meus olhos, não é pedir muito, bem sei que rios há muitos, mas estes olhos são apenas dois, chegam para te ver, chegaram para o poeta ver, debaixo de um sol peninsular, a catedral de burgos, dois olhos chegam para lentamente fazer desaparecer um vestido de verão, algodão, algodão, puro vestido de verão com dois joelhos no rés-do-chão.

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