28 fevereiro 2010

Se apenas, repito, se apenas o último combóio da noite pudesse atravessar a neve e o gelo

No ano que vem, em jerusalem, as palavras que disseres repetir-se-ão, entre colinas onde esparsas oliveiras ainda resistem aos ventos quentes do levante, palestina revisitada, La folie, c'est la folie, os olhos amendoados viram um sol doirado a escoar-se nos horizontes mediterrânicos, o fim de um dia tão próximo, e nós que não cabemos na noite que chega, há lugares que não visitamos, a muralha de salomão destruída pelos aríetes, dois corpos quatro mãos e espadas de fogo na ponta dos dedos a rasgar-nos os lábios, e o sangue caído gota a gota na neve, na longínqua neve de um inverno russo do mais russo que pode haver, bem dentro da estepe onde o chão endurece e rejeita qualquer esforço de sedentarização, não queiras, repito para que estas pedras finalmente o ouçam, não queiras atravessar os montes, os rios, os parentes próximos do deserto, não querias cegar-te com o reflexo de um sol que não perdoa, que te queima primeiro os ombros para que fiques ainda mais desejável, apresento-te a língua e os lábios tomados pela sede, o começo e o fim de tudo, a alma sublimada por um retrato a sépia, o começo e o fim de tudo, a morte é o absoluto do opaco, perderás a vida, perderás a vida se quiseres atravessar os montes, os rios e os parentes próximos do deserto, lembra o que aconteceu à muralha de salomão, após o cerco caiu com os embates de um aríete da cor de um sol da judeia, e então terás de seguir-me para onde for, hei-de resgatar-te nas margens do rio, sabes que rio é esse, tu o sabes bem,

se apenas o último expresso do oriente pudesse atravessar as montanhas da anatólia, descer até ao crescente, descer até ao fértil campo onde nasceram as religiões,

quando o general subiu o rio, camelos, mamelucos marchando, cavalos árabes, mulheres, crianças, homens, Olhai, do alto destas varandas quarenta olhos vos contemplam, outros quarenta vos desejam, na cidade todos souberam quando chegaste, as palavras que havias dito repetiram-se nas mesmas colinas onde agora nenhuma oliveira resiste, queimou-as o sol doirado da palestina, tragou-as a língua salgada do horizonte mediterrâneo, agora estão para lá das colunas de hércules, o fim e o começo deste e do novo mundo, La folie, oui c'est la folie.

21 fevereiro 2010

Do not go gentle into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Dylan Thomas, poeta galês

18 fevereiro 2010

Starry Night II

A cidade ainda me destrói,
Vincent,
e nenhuma rua que conheça os meus
passos se mantém intacta.

Recomeço
e a cidade ainda me cega
cem noites escuras desceram
as colinas onde a lua não repousa,
apenas os teus olhos
de um belo azul-da-china,
Vincent,
abertos para a noite
suspensa das estrelas que a povoam.

A lucidez ainda me destrói,
Vincent,
que noite foi essa que te pediu
a vida, ninguém soube ouvir-te,
bastava a escuridão no fundo
dos teus olhos.

que noite quis que caminhasses
com ela,
agora percebo quando dizias
a cidade ainda me destrói,
e depois partiste
debaixo dessa noite povoada
por rebentos de prata.