26 julho 2010

Sertã -- Oleiros -- Lagos
Edição revista e aumentada
as estradas de portugal
têm pior o serem de portugal.

Não me admira
que tenham ido para a guerra.
Afinal, as noites brancas
são dos soldados,
e eles têm nas botas
o arado desta terra.

23 julho 2010

Cesariny

a antonin artaud

I
Haverá gente com nomes que lhes caiam bem.
Não assim eu.
De cada vez que alguém me chama Mário
de cada vez que alguém me chama Cesariny
de cada vez que alguém me chama de Vasconcelos
sucede em mim uma contracção com os dentes
há contra mim uma imposição violenta
uma cutilada atroz porque atrozmente desleal.

Como assim Mário como assim Cesariny como assim
ó meu deus de Vasconcelos?
Porque é que querem fazer passar para o meu corpo
uma caricatura a todos os títulos porca?
Que andavam a fazer com a minha altura os pais pelos
baptistérios
para que eu recebesse em plena cara semelhante feixe
de estruturas
tão inqualificáveis quanto inadequadas
ao acto em mim sozinho como a vida puro
eu não sei de vocês eu não tenho nas mãos eu vomito
eu não quero
eu nunca aderi às comunidades práticas de pregar com
pregos
as partes mais vulneráveis da matéria

Eu estou só neste avanço
de corpos
contra corpos
Inexpiáveis

O meu nome se existe deve existir escrito nalgum lugar
«tenebroso e cantante» suficientemente glaciado e
horrível
para que seja impossível encontrá-lo
sem de alguma maneira enveredar pela estrada
Da Coragem
porque a este respeito - e creio que digo bem -
nenhuma garantia de leitura grátis
se oferece ao viandante

Por outro lado, se eu tivesse um nome
um nome que me fosse realmente o meu nome
isso provocaria
calamidades
terríveis
como um tremor de terra
dentro da pele das coisas
dos astros
das coisas
das fezes
das coisas

II
Haverá uma idade para nomes que não estes
haverá uma idade para nomes
puros
nomes que magnetizem
constelações
puras
que façam irromper nos nervos e nos ossos
dos amantes
inexplicáveis construções radiosas
prontas a circular entre a fuligem
de duas bocas
puras

Ah não será o esperma torrencial diuturno
nem a loucura dos sábios
nem a razão de ninguém
Não será mesmo quem sabe
ó único mestre vivo
o fim da pavorosa dança dos corpos
onde pontificaste
de martelo na minha mão

Mas haverá uma idade em que serão esquecidos por
completo
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas

Haverá
um acordar

Mário Cesariny

21 julho 2010

Bukowski

So You Want To Be A Writer

if it doesn't come bursting out of you
in spite of everything,
don't do it.
unless it comes unasked out of your
heart and your mind and your mouth
and your gut,
don't do it.
if you have to sit for hours
staring at your computer screen
or hunched over your
typewriter
searching for words,
don't do it.
if you're doing it for money or
fame,
don't do it.
if you're doing it because you want
women in your bed,
don't do it.
if you have to sit there and
rewrite it again and again,
don't do it.
if it's hard work just thinking about doing it,
don't do it.
if you're trying to write like somebody
else,
forget about it.
if you have to wait for it to roar out of
you,
then wait patiently.
if it never does roar out of you,
do something else.

if you first have to read it to your wife
or your girlfriend or your boyfriend
or your parents or to anybody at all,
you're not ready.

don't be like so many writers,
don't be like so many thousands of
people who call themselves writers,
don't be dull and boring and
pretentious, don't be consumed with self-
love.
the libraries of the world have
yawned themselves to
sleep
over your kind.
don't add to that.
don't do it.
unless it comes out of
your soul like a rocket,
unless being still would
drive you to madness or
suicide or murder,
don't do it.
unless the sun inside you is
burning your gut,
don't do it.

when it is truly time,
and if you have been chosen,
it will do it by
itself and it will keep on doing it
until you die or it dies in you.

there is no other way.

and there never was.

Charles Bukowski

09 julho 2010

E contemplávamos longamente a eternidade com os olhos já feridos da luz que caía das pedras do castelo.
Pelas escadas vagamente inclinadas respiravam ainda, na frescura das pesadas pedras de mármore que um dia receberão os nossos ombros, os passos que déramos, há pouco mais de uma hora, para as subirmos, no cimo dessas escadas surgiu uma porta que tivemos de abrir e no fim de tudo quatro ombros quase simultaneamente transpuseram o obstáculo final, e no fim de tudo a criação do mundo e dos afectos, essa misteriosa natureza seminal e refractária, todo o acto de criação tem na sentença um acto de destruição, final e irredutível, lá fora um dia quente ardia e subia à copa das árvores para contemplar a cidade que, durante a tarde, havia tomado ao fim de semanas de cerco, foi assim que aconteceu quando o general subiu o rio à procura dos Buendia, Macondo não estava no mapa que levava, e foi nessa selva que sepulta, nessa selva onde o sol apenas deita, ao erguer-se, a luz mais baça da manhã, foi nesse longínquo deserto sem olhos que o general se viu na sombra do galeão, faltavam quatro dias para o último dos cem anos.
Eu queria que apenas todos os rios se abrissem para os meus olhos, não é pedir muito, bem sei que rios há muitos, mas estes olhos são apenas dois, chegam para te ver, chegaram para o poeta ver, debaixo de um sol peninsular, a catedral de burgos, dois olhos chegam para lentamente fazer desaparecer um vestido de verão, algodão, algodão, puro vestido de verão com dois joelhos no rés-do-chão.

Ibéria

Nesse dia em que foste da côr
de uma muralha
e debaixo dela, coberta por uma luz medieval
acabaste por dizer,

Ibéria,
Andaluza mãe asturiana,
pelas tuas planícies
ouve-se chorar uma península inteira,
pelos teus olhos choram
as lágrimas impossíveis
de uma batalha banal.

E essa rua,
estreita como dois ombros
o podem ser,
há-de ser a margem de um rio
onde irei, pela tarde,
recomeçar.