02 maio 2007

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Ontem foi o dia em que chegaste. Ontem foi o dia em que chegaste, disseste tu, com os olhos bem abertos, cheios de lágrimas de luz, como se o sol e a lua tos pintassem ao mesmo tempo, como se não houvesse noite nem dia para distinguir as cores do teu cabelo, e das ondas desse mar, já não sei hoje o que é onda de mar e cabelo teu. Gritaste do fundo dessa nuvem, falavas e não ouvia, às tantas nem ouvias tu já o que dizias, mas hoje sei o que disseste, Espero-te na volta de um beijo, foi o que disseste, e disse-mo a primeira luz do dia, a primeira luz fria da manhã. Não o ouvi de ti, mas antes queria, preferia ver-te abrir e fechar os lábios, ouvir-te prolongar essa última sílaba sempre eterna, como se construísses um suspiro feito de fins de palavras. Espero-te na volta de um beijo, suspiraste, mas eu não ouvi.
E agora que não sei onde estás de que me valerá sabê-lo, é o que pergunto, talvez valha, talvez siga para os lugares onde exista esse vermelho de que te pintaram os lábios, esse vermelho-tu, que vai sendo um vermelho-eu também. Talvez procure quando uma nuvem para onde estiver a olhar se pinte de vermelho-tu, e a siga até que essa nuvem chova em mim e te possa colher como um fruto na minha mão, depois na minha boca, depois no meu corpo, até não sabermos mais com certeza onde acaba esse vermelho-tu e onde começa esse vermelho-eu. E na verdade foi apenas há umas horas que estivemos juntos debaixo das pedras do castelo, era ali que gostávamos de ficar sem saber para onde ir, sem precisar sequer de ir a lugar algum.
Eu sei, eu soube sempre que gostavas de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul e o cinzento, ver passar aquele vento quente de Setembro, depois esse que vem frio, gostavas de ver cair a chuva, depois olhar para uma gota que fazias parar no ar, suspensa, e dizias, Aqui estás tu, lá em baixo estou eu, e depois fazê-la cair no chão seco, como alguém que espera um beijo. E era nesses dias que gostavas de te sentar, ver passar o fio do tempo recortado por essas palavras que dizias, soltas ou entrelaçadas, húmidas se tocavam os teus lábios, secas se vinham como um grito, mas sempre querendo ir buscar-te ao fundo desses dias onde gostavas de te sentar, sem nada que ouvisses, sem nada que visses ou quisesses ver, e levava-te por um abraço, mais ou menos apertado, mas sempre esses braços cingindo-te, resgatando-te.
Gostavas de ficar alguns minutos a olhar o verde do céu, depois o azul, o cinzento, um dia destes acordaste e viste-o branco, no outro dia anoiteceu pintado de laranja claro, e foi um sonho que tiveste, não sei e não sabes se por causa da cor do céu, se por causa dessa lua que te chamava. Sonhaste que ela vinha também, não a lua, mas uma voz que tinha uma boca, uma boca que tinha um rosto, rosto esse que tinha um cabelo e pescoço, um cabelo e pescoço que tinham ombros, esses ombros e cabelo de que falo e que eu tanto quero tinham um peito onde cair, esse peito que falo e que também quero tinha uma cintura, essa cintura, acaso os teus olhos desviam para lá o olhar (secretamente), não termina nunca, mas logo logo começam as pernas, sem que disso te apercebas, brancas de marfim, e essa voz que tinha um corpo era ela, era um corpo que tinha uma voz, uma música, um embalo onde te pudesses sentar e ver as cores do céu passar, não sozinho nem adormecido já, mas junto a esse corpo que tem uma voz, a essa voz que tem um corpo. O teu.

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