08 maio 2007

III

Por isso eu sigo para os lugares onde gostas de adormecer, é essa a minha história, é essa que te conto, e a que queres ouvir todas as noites. As palavras que te vou dizer ainda não as sei, ainda não as conheço, vou descobri-as enquanto não te encontrar, enquanto te procurar. Talvez te escondas nas margens de um Inverno que deve estar para chegar, ou nas malhas de um cachecol que espera dias mais frios para aquecer o teu pescoço, não sei.
Durante quatrocentos anos sonhei com manhãs no mar, o vento salgado nos olhos. Como tudo era simples! Ouves a chuva a pingar através das folhas? Quantas semanas já passaram? Sinto que o Verão está a ir-se embora… Tu não respondias, e era esse o tempo de falarmos, de olharmos nos nossos olhos. Um dia, não há muito tempo, talvez te lembres dessa manhã, acordámos em Setembro. Gastáramos o Verão nos nossos lençóis, e de repente ele terminava, e no fim de um beijo disseste, As velas também se apagam, e então eu percebi, O céu está negro, e nós baloiçamo-nos com o amor no corpo, e o céu este negro. Foi no fim do Verão, foi no fim de um beijo. Setembro fez-se outra luz, uma quase-luz que se vai perdendo no ponto de fuga de um sorriso outonal. Ou da primeira folha seca que acaba de se soltar e que vai caíndo no chão. Setembro fez-se de outra luz, a última dos dias claros, esses que te vão fugindo por entre os dedos. Setembro fez-se de uma praia sem sombras e de marés-vivas. É uma aguarela para se pintar do som do mar. Por isso deixaste as pedras do castelo, que àquela hora parecia maior, por isso fugiste. Foi em Setembro. Setembro… que lugar para dormir. O amor não contempla, sempre o amor procura. Setembro – que lugar para partires. Por isso eu procuro-te, por isso é preciso encontrar-te.

Desço as escadas, como são pesadas, ou serão os meus passos, lá fora paira um dia nublado, pombos nos beirais, e tu que não voltas, e eu que ainda não te encontrei. É preciso ir buscar-te, é preciso falar-te, ter a certeza que respiras antes de falar e de me dizer, Olá, e de eu te pedir, Volta. É nesta rua que estás, é o que te pergunto, não te esqueças que estarás sempre comigo, sempre a tua pele ou o teu cabelo, não, aqui não te encontro… Nesta outra rua também não, talvez do outro lado da cidade, quem sabe, ou no fundo de uma rua aberta para as margens de um rio, e mesmo aí continuo sem saber o que fazer, confesso que tenho medo. E foi ontem o dia em que chegaste, trazias um vento quente, que já não é destes dias, e quando nos deitámos chegou o Outono. Estou a pé, não sei já quanto andei, e passa sempre uma eternidade quando nos sentimos infelizes. Parece-me que já passei por aqui, nos cafés ninguém se incomoda, ninguém liga, as pessoas vão dormir calmamente e eu procuro-te, quase te vejo do outro lado de uma esquina, mas aquele cabelo não é o teu, aquele andar e a aqueles dois ombros não são os teus. E agora sim, pela primeira e última vez até te encontrar, quem sabe, são lágrimas, muitas, como um fio, que deixo cair até à boca. Eu sei, nesta cidade não estás, e não me apetece procurar-te debaixo de cada pedra, nas caves dos prédios que são tantos, e tu não irias para qualquer um desses lugares. Foste para outro lugar, ao Sul, é para aí que vou, tenho a certeza, foste ver o mar, foste ver passar o verde do céu, depois o azul, depois o cinzento, eu sei, não repitas, um dia acordaste e viste-o branco. Chove tanto, e eu saio para te ver, vou viajar, vou para Sul, far-me-á bem sair um pouco das muralhas do castelo.

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