11 agosto 2006

Descobrir o teu corpo
num sábado de muitos dias,

frente a frente, ou rente
ao teu cheiro, se é noite

e demora o dia a chegar.

02 agosto 2006

Sobe, não ligues à luz

Sobe, não ligues à luz, que está desligada para que não se vejam os traços das caras das pessoas nem a luz que trazem acima do pescoço, sobe, outra vez te digo, vem por essas escadas, não ligues à luz que está desligada, não te esqueças, os degraus não são muitos, nunca os contei, sempre me doeu subi-los, sempre chorei, nunca me ocorreu levantar os olhos dos meus pés e destes degraus, sei-os de cor, tu não, é a primeira vez que os sobes, nada sabes sobre eles, quem os subiu, quem os sabe de cor para além de mim, quem os desceu aos tombos, quantos caíram do décimo quinto degrau, quantos se encostaram no terceiro patamar... Sobe, sobe sempre, sobe no escuro, cá dentro não precisas de luz, não precisas de me ver, à meia-luz chega, à meia sombra está muito bem, só precisas de me ouvir, de esperar um pouco, primeiro tens de subir estes degraus, tens de encontrar um corredor que começa ao cimo das escadas, no quinto andar, um daqueles alcatifado, daqueles cheios de silêncio e passos, silêncio e passos, só silêncio e passos... repara, estás quase a chegar, já falta pouco, de certeza menos do que quando começaste a subir, menos ainda quando mal conseguias passar da porta de entrada, agora estás perto, muito perto, no corredor tens de encontrar um porta, uma pequena, uma que deves abrir, uma que deves abrir, digo-to outra vez porque não basta abrir uma porta para que tudo fique feito, tudo fique pronto, acabado, não sei de onde veio essa ideia, abrir uma porta é suficiente, não, mil vezes não, abrir uma porta não é nada! ninguém percebe, ninguém sabe, todos acham demais abrir uma porta, mas tu deves abrir essa porta, não tenhas medo, passa por baixo dela, só assim acabas o que começaste, por isso te dizia que abrir uma porta não chega, agora percebes, percebo. Fecha os olhos, os teus, só os teus, repara bem nas palavras que uso, não queiras fechar os olhos de mais ninguém, não tens o direito, fecha os teus olhos, não precisas de ver, não ligues à luz que está desligada, se não te lembrasse já não o sabias, entra, não ligues à luz que não existe, outra forma de dizer o mesmo, tu percebes, tu sabes o que quero dizer, mandei-te subir e subiste, mandei-te passar pelo corredor, abrir e passar por baixo da porta, tens feito tudo como te peço, desde o princípio, não sei muito bem que princípio é este, se é o das palavras, provavelmente não, porque não te tenho falado dessa maneira afinal, esta é apenas a história do que fizemos hoje, de como o fizemos, do que dissemos sem palavra escrita, sem palavra dita, este silêncio também se ouve, este silêncio não o vês porque tens os olhos fechados, os teus, repara outra vez como tenho sempre cuidado com o que te digo, ou o que te disse. Agora pára, não te vejo, não me vês mas sei que estás aqui, tu sabes que estou aqui, não vou sair, tu também não. Sobe, sobe sempre, dizias tu. Ou pensavas que dizias. Ou pensava que dizias.

Sobe, não ligues à luz, que está ligada. Agora estamos nós. Estamos sós.

Abre uma porta,
essa que diz saudade, abre
um livro que não diga
a palavra silêncio, que seja
mudo, que seja mundo, que seja
muito, que não mude, abre, desprende-te
das ombreiras da porta, entra,
vê que mesmo no silêncio se ouve
o silêncio, se houve silêncio.

De novo a palavra se fez muda.