25 abril 2010

Abril!



Poema: António Gedeão
Música: José Niza


Venho da terra assombrada,
Do ventre de minha mãe;
Não pretendo roubar nada
Nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
Por me trazerem aqui,
Que eu nem sequer fui ouvido
No acto de que nasci.

Trago boca para comer
E olhos para desejar.
Tenho pressa de viver,
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
Não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
Solta o pano rumo ao norte;
Meu desejo é passaporte
Para a fronteira fechada.
Não há ventos que não prestem
Nem marés que não convenham,
Nem forças que me molestem,
Correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
Que a Natureza sou eu,
E as forças da Natureza
Nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.
Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

Abril!

Abril!

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!

Ary dos Santos, "As Portas Que Abril Abriu", 1975,
da 1ª edição, autografa pelo autor, que hoje dorme comigo.

15 abril 2010

o poema em Sol e em Ré Menor difícil de pôr em verso

Oxalá seja essa cor a tua cor verdadeira, oxalá sejamos amantes sem tecto, amantes sem terra e sem dinheiro, porque teremos nós de existir tão perto do fim do mundo, porque serão as manhãs cada vez mais curtas, a morte não te há-de matar, os deuses não te hão-de levar, eu sonho com muitos sábados de sol em que saímos ao sol e debaixo do sol pedimos mais sol que venha queimar-nos os joelhos, e a metade verde dos braços, eu sonho ainda outras vezes com um velho fiat 127 azul debaixo do sol de um sábado de sol e a música no rádio a tocar num dia de glória, a glória será não esquecer tudo isto, tudo isto e tudo isto é muito pouco para se esquecer, terás os teus dias na sétima cor que invadiu a península, ao sétimo dia de marcha os pés cansaram-se, as mãos não puderam tapar mais os olhos, que cegaram, e a música renasceu na fronteira entre a montanha e a planície, quem poderá dizer, a morte não te há-de matar, viverás, oxalá sejamos amantes quando viveres, diz se vives por favor, ou se já nasceste, quero ir ver-te onde as manhãs não forem tão curtas, encontrar-te-ei e poderemos então falar, respirar a mesma flor na mesa de cabeceira, ouve, estaremos sós?

o poema ínsone

A loucura descera enfim
pelo braço de prata
de duas espadas,
e vimos à beira de um lago
a certeza apolínea,
a febre dos dias claros
que subia pelos olhos

eu peço um pouco mais de ar
para respirar a tarde
que vai aumentado a dor
o sinal nocturno da tua presença
que horas são,
quando vens,
que dedos tão frios
me vêm abraçar
pelo equador
dos meus braços?

08 abril 2010

Para declarar a morte ao sol é preciso
olhar o astro de frente,
olhar nos olhos a estrela poente.
Para declarar o regresso
dos dias é preciso acordar
com os primeiros braços frios
da manhã. é tudo o que peço
e preciso para declarar a morte ao sol.

Assim, directamente,
e assim, cegando a luz dos dias
eu declaro a morte ao sol
na chama do ocidente.

No fim de uma rua

Arde, arde, arde um dia de inverno numa árvore no fundo da rua, um sol em glória poente viera ali deitar-se, mas que dizer dessas chamas vespertinas, essas palaras não existem, Rua, rio, As margens de uma rua são as paredes que se erguem tão altas, umas brancas, outras escuras, outras ainda permanecem na sombra, aí onde os braços da claridade não chegam, essas ruas não existem, são rios de sentido único e oceânico, esta começa onde acaba e acaba onde começa, tem no fim dela curiosas casas se dispõem em anfiteatro e assistem ao espectáculo de fogo. No fim de uma rua uma árvore ardia.

07 abril 2010

Bron-Yr-Aur

Messi 4; Arsenal 1

Cada vez me convenço mais de que o Messi é o fim da história... e eu que me esforcei tanto e durante tantos anos para o procurar na superestrutura económica e coisas desse género que são uma seca de estudar mas que depois de compreendidas até dão algum jeito para perceber que isto tudo vai, sempre, repetir-se, como diria o Rui Santos, ad nauseam... E mesmo sendo o fim da história, há qualquer coisa no Messi de nebuloso, indefinido, o que não ajuda mesmo nada à pacificação das almas.