24 junho 2012

I
A Espanha fascina-me, como já se deve ter percebido pela quantidade de tempo que tenho perdido a pensar nela, quando devia estar a pensar nos exames que me esperam a partir de dia 30. Espanha não, como se diria no Asterix... Castela. Sim, porque isto de chamar Espanha àquele país é uma daquelas anomalias e bengalas do discurso que todos usam sem pensar no que realmente quer dizer. Ah, lá estás tu a ser um... tinhoso, dizem. Pois, mas a Espanha é isso mesmo, uma anomalia, e das grandes. Do ponto de vista Histórico, sim, é um pouco, mas do ponto de vista político, ui, então é toda ela uma grande anomalia. 

Vejamos, do ponto de vista Histórico, a Hispania era uma província do Império Romano, administrativamente dividida em Lusitania, Baetica e Tarraconense. A Lusitania foi a última região a ser conquistada pelos romanos, com a famosa sétima legião. Pronto. Já chega disto.

Do ponto de vista político tudo se torna mais interessante. Durante a reconquista, a Galiza, que por momentos teve umas ténues pretensões independentistas, teve azar, porque tinha Portugal a Sul e Leão a Este. Temos pena. D. Afonso Henriques tinha mais que fazer, e a Galiza acabou por ser incorporada por Leão. Estes também não tiveram muita sorte, outra vez por causa do território. Enquanto Portugal, Leão e Castela se expandiam para Sul, Castela foi avançando também para Oeste e acabou por cortar a trajectória de Leão, que ficou com uma ridícula faixa de terreno entre Portugal e Castela. Também eles foram incorporados. Os outros reinos, estilo Navarra e Aragão, sofreram as suas vicissitudes, apesar de terem uma boa política de casamentos. Não estou a inventar, eu sei mesmo isto. Só que também foram aglutinados. Agora já dá para ter uma ideia de como as coisas se passaram. Também dá para reconhecer que, apesar dos acidentes de percurso, Portugal foi o único Estado a conseguir resistir a estes estupores imperialistas.

Acontece que já no tempo de D. Afonso Henriques dava para uma pessoa se aperceber desta vontade de conglomerar tudo. O primo dele, Afonso, foi rei da Galiza, depois rei de Leão e rei de Castela, após o que foi proclamado Imperador de toda a Espanha, como então se disse, em 1135. Outra vez: toda, não, filho... Portugal também fazia - e faz - parte da Hispania, e não entrou nessa brincadeira, porque o teu primo Afonso I não quis saber dessa treta para nada.

Uns anitos mais tarde, naquela conferência de Zamora a que D. Afonso Henriques foi chamado a ver se o convenciam a aceitar a autoridade do primo como imperador, foi o Afonso VII que, reparem, não contestou o título de rei ao Henriques. Castela marimbou-se para isto e fez uma operação muito inteligente: Portugal deixava de entrar para as contas, deixava de fazer parte da Hispania, assim não teriam problemas de consciência em chamar ao país deles Espanha, como vieram a fazer. O propósito deste tipo era legítimo, como é óbvio. Restaurar a velha província romana. Assim como o do Carlos Magno, mas numa magnitude maior: restaurar o próprio Império Romano.

Quando conquistaram Granada, em 1492, era oficial e passou nas notícias: A Espanha era a maior! Com uma pedrita no sapato, porém... Portugal, que também tinha bué barcos e comercializava especiarias e tinha muitas praças além-mar.

Para quem não mandou ainda este texto à merda e foi fazer alguma coisa de interessante, tenho mais uma coisa gira a dizer: rio-me sempre que ouço alguém dizer que Portugal enquanto país não é viável. Espanha enquanto país é que não é viável! É uma construção formal, uma falácia política. A prova de que Espanha é uma anomalia histórica e política (embora menos a primeira e mais a segunda) é... Portugal. De modo que o que é viável é Portugal, é Castela, é Galiza, Astúrias, Andaluzia, Navarra e Catalunha. 

O que irrita alguns destes povos é o facto de Espanha ser... Castela. Os catalães irritam-se do centralismo (eufemismo moderno para imperialismo) castelhano. Até nisto a Espanha é imperialista: não se diz espanhol, diz-se castelhano. Yo hablo castellano. Pois. 

A única coisa que nos distingue das nações balcânicas é a religião e o bom senso. Somos todos naçõis christãs, civilizadas, e pollidas. O outros são cristãos, cristãos ortodoxos e muçulmanos e um pouco brutos. O que nos impediu de andar a brincar aos genocídios entre pontes e montanhas.

II
A selecção espanhola é o reflexo de tudo isto. E a filosofia que adoptaram como sistema de jogo também. É uma anomalia. Uma construção formal e falaciosa análoga à construção que ergueu um país. Não tem qualquer matriz social, antropológica. É uma pura lógica formal, matemática, circular. O mecanismo pendular e cartesiano com que jogam é bacteriologicamente puro e reduz-se a aforismos. Como tudo o que é matemático, é universalmente válido. É, em poucas palavras, uma fórmula. Como qualquer hipótese científica, é inicialmente considerada inovadora e genial para depois ser banalizada. O que a selecção espanhola ainda consegue fazer é mascarar a indolência do seu jogo com a eficácia

O jogo contra a Irlanda, como já disse, não conta. Conta o jogo com a Croácia e o de ontem contra a França. O primeiro reduz-se a dois penáltis não assinalados a favor da Croácia e um golo da Espanha, com que ganhou, logo depois de um desses lances. O segundo reduz-se a 10 segundos em que Jordi Alba escapa pela esquerda, aproveitando-se de uma escorregadela do lateral francês - que não se lembrou de jogar com a mão para tirar-lhe a bola dos pés enquanto caía - cruza para Xabi Alonso e pronto. O resto é de uma chatice que já ninguém suporta! 700 passes? Penso que já é altura de se parar com os encómios e aleluias a isto.

Agora vou estudar Direitos Reais e depois ver o Inglaterra x Itália.

15 junho 2012


Eu sei que os espanhóis estão hoje felicíssimos: o nosso primo drogado, a nossa tia bêbeda, o avô inconveniente e malcriado não deixam de ter o nosso amor familiar e muita, muita condescendência.

Há muito tempo que sou objector de consciência em relação ao jogo do barcelona e do da espanha.

Não me levem a mal. Vale, a Espanha não tem Messi, mas tem Silva; é eficaz.

Mas uma equipa que faz, como fez no jogo contra a irlanda, 779 passes, só pode andar a brincar. reparem bem: fazendo uma contas simples, sabendo que a espanha marcou 4 golos, havendo por isso 4 assistências,  chega-se à conclusão que os jogadores tocaram na bola 775 vezes para a devolver ao jogador que lha entregou ou para qualquer outro, mesmo ali ao lado, à distância de 3, 4 metros. Só podem andar a brincar. Eu vi cerca de 15 minutos da primeira parte e toda a segunda parte. Nesses 60 minutos vi a Irlanda ter a bola em situação de 'ataque organizado' por 3 ocasiões, mas sem expressão. Regra geral, a Irlanda roubava a bola aos espanhóis a cerca de 20 metros da linha de fundo e estes por sua vez roubavam-na nos mesmos 20 metros. Não havia avanço. Progressão, chamam-lhe os comentadores. Isto não é jogar. Uma vez vi no youtube um video que explicava o comportamento táctico do barcelona e o que mais me impressionou foi a interessantíssima reacção à perda da bola: encurtavam a área de jogo fazendo um rectãngulo apertado para pressionar e, uma vez readquirida a posse de bola, estarem todos em condições de fazer o que sabem melhor: trocar a bola entre eles incansavelmente. foi o que fizeram hoje, como foi bom mau de ver.

Em conclusão, a Irlanda não jogou. Uma equipa cuja filosofia é jogar um meiinho de 775 passes é desinteressante. Muito desinteressante. É uma equipa chata. A certa altura dei por mim profundamente chateado com o que estava a ver. O jogo da espanha é de uma chatice tremenda. Eu juro, sempre que vejo a espanha jogar penso na Cena do Ódio do Almada Negreiros: 

Tu, qu'inventaste a chatice e o balão, 
e que farto de te chateares no chão 
te foste chatear no ar, 
e qu'inda foste inventar submarinos 
p'ra te chateares também por debaixo d'água...

Sim, é mais ou menos isto que eu sinto ao ver a Espanha a jogar. Uma equipa cuja filosofia é entreter com mantras as equipas adversárias até que, hélas, já lá está dentro... só podem andar a brincar. Que eu saiba o futebol joga-se com duas equipas. A ideia é mais ou menos esta: uma tem a bola, tenta chegar ao golo, perde a bola; a outra equipa ganha a bola, tenta chegar ao golo, perde a bola; parece infantil, mas é assim. Há confronto físico, táctico, estratégico. Há erros: colectivos, individuais. Neste jogo a Irlanda não teve confronto físico, táctico nem estratégico. O tempo que a Espanha os deixou jogar não conta. Não estiveram em campo, ao menos do ponto de vista desportivo. Não competiram. De forma que o jogo da Espanha nem sequer é anti-jogo ou, como se constata, uma negação do futebol. É mais do que isso. Pode-se-lhes atribuir o mérito epistemológico de terem descoberto uma maneira alternativa de jogar futebol. A minha ignorância é que me não permite classificá-la. Além do Direito haverá outra maneira, outro sistema de organização da sociedade? Há, com certeza, mas não se descortinou ainda qual.

Tiveram ainda o mérito - reconheço - de encontrar uma fórmula. Mas é uma fórmula, caramba! E está a ser repetida, reproduzida, sem ser reciclada, reorganizada! da filosofia de jogo da espanha bem se pode dizer que é uma filosofia, verdadeira e própria: tem um sistema. Simplesmente é um sistema de tudo aquilo em que eu não acredito. É um sistema de lógica formal, lógico-dedutiva, género permissa maior permissa menor: a = b; b =c, c = a. Assenta numa lógica tautológica, circular. Ninguém na espanha sabe o que é uma espiral hermenêutica, ui, sabem lá eles isso. Não há emoção: só reprodução. Maquinismos. Ah e tal, o tiqui-taca... mas há lá beleza num mecanismo de relógio infalível? Numa fábrica de Modelos T? Sim, Crujff tinha mesmo isto em mente quando montou o barcelona nos anos 90 e criou esta filosofia, oh se tinha. Se já tivesse partido, estaria a rebolar. A admiração de Crujff e do seu séquito por isto é a do criador que julga ainda ver no monstro actual a forma de jogar que criou. Está muito longe disso. Portanto os encómios que o barcelona e a selecção espanhola recebem são filhos de um status quo vencedor e acrítico, por estas alturas já inexplicavelmente embevecido. Ando perplexo há 3 ou 4 anos com isto. A nossa emissão segue dentro de momentos.