Pela noite eu um farrapo de óculos molhados e embaciados, a água da chuva a correr-me implacável pelo cabelo que já não é muito mas ainda é possível alinhá-lo de modo a que as mulheres não percebam, a água a correr-me pela testa, e já não sei se é a água se és tu, tornou-se praticamente impossível abrir os olhos tu noite branca e pálida adivinhada em meias escuras e saia curtíssima subindo pelo joelho, se eu te dissesse que no final da noite toda a roupa estará rasgada tu depressa fugirias de mim enojada e chorando afinal sempre eras tu que me chovias pela cara, reconhecia o sal das tuas lágrimas mesmo se estivesse náufrago-mar de uma caravela sem mastro e sem vela e demasiado pesada para aguentar a tormenta de uma noite sem princípio nem fim por estar o céu coberto de negro, não escuro, negro, a cor verdadeira da morte, a morte certa que veio respirar ao meu pescoço uma destas tardes, a mesma que veio passar a mesma língua rosada pelo pescoço e depois pelo ouvido e é assim que tu fazes também, tu noite, tu mulher, se me queres levar para o lugar de onde vens e de onde vem o teu perfume, e onde te vestes e te despes sem qualquer espécie de pudor, para o lugar onde gostas de caminhar nua pela casa e eu doido atrás de ti, leva,
"Tudo era claro, jovem, alado. O mar estava perto. Puríssimo. Doirado." - Eugénio de Andrade
17 março 2008
Pela noite
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4 comentários:
Bem...
Mas que noite tão agitada. Loucura ao mais alto nível. Gostei dos rasgos de humor e do "erótico-animal".
Mas diz-me Nuno: e como é que acabou? Ou é suposto imaginarmos o final?
Perdoa-me a ignorância. Talvez precise de tempo para me habituar ao teu estilo.
lucy, não se trata de ignorância :p eu explico: é que eu também sou - não sei como acabou: eu ia sair daquele lugar mas deu-me a impressão que ia acontecer como num sonho, em que fora dele nada existe; por algum motivo não consegui sair dali... é curioso porque na verdade um claustro é um espaço fechado - como estava fechado não pude sair, e acabei a meio do fôlego, sem saber muito bem o que fazer fora dele, como se nada fizesse sentido. mas gosto das tuas perguntas: não me fazem perguntas assim muitas vezes. para te responder, parece que acaba ali...
Assim explicado parece fazer um bocadinho mais de sentido.
Mas eu estava à espera de mais qualquer coisa. Talvez seja defeito meu.
Incessante...
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