15 junho 2012


Eu sei que os espanhóis estão hoje felicíssimos: o nosso primo drogado, a nossa tia bêbeda, o avô inconveniente e malcriado não deixam de ter o nosso amor familiar e muita, muita condescendência.

Há muito tempo que sou objector de consciência em relação ao jogo do barcelona e do da espanha.

Não me levem a mal. Vale, a Espanha não tem Messi, mas tem Silva; é eficaz.

Mas uma equipa que faz, como fez no jogo contra a irlanda, 779 passes, só pode andar a brincar. reparem bem: fazendo uma contas simples, sabendo que a espanha marcou 4 golos, havendo por isso 4 assistências,  chega-se à conclusão que os jogadores tocaram na bola 775 vezes para a devolver ao jogador que lha entregou ou para qualquer outro, mesmo ali ao lado, à distância de 3, 4 metros. Só podem andar a brincar. Eu vi cerca de 15 minutos da primeira parte e toda a segunda parte. Nesses 60 minutos vi a Irlanda ter a bola em situação de 'ataque organizado' por 3 ocasiões, mas sem expressão. Regra geral, a Irlanda roubava a bola aos espanhóis a cerca de 20 metros da linha de fundo e estes por sua vez roubavam-na nos mesmos 20 metros. Não havia avanço. Progressão, chamam-lhe os comentadores. Isto não é jogar. Uma vez vi no youtube um video que explicava o comportamento táctico do barcelona e o que mais me impressionou foi a interessantíssima reacção à perda da bola: encurtavam a área de jogo fazendo um rectãngulo apertado para pressionar e, uma vez readquirida a posse de bola, estarem todos em condições de fazer o que sabem melhor: trocar a bola entre eles incansavelmente. foi o que fizeram hoje, como foi bom mau de ver.

Em conclusão, a Irlanda não jogou. Uma equipa cuja filosofia é jogar um meiinho de 775 passes é desinteressante. Muito desinteressante. É uma equipa chata. A certa altura dei por mim profundamente chateado com o que estava a ver. O jogo da espanha é de uma chatice tremenda. Eu juro, sempre que vejo a espanha jogar penso na Cena do Ódio do Almada Negreiros: 

Tu, qu'inventaste a chatice e o balão, 
e que farto de te chateares no chão 
te foste chatear no ar, 
e qu'inda foste inventar submarinos 
p'ra te chateares também por debaixo d'água...

Sim, é mais ou menos isto que eu sinto ao ver a Espanha a jogar. Uma equipa cuja filosofia é entreter com mantras as equipas adversárias até que, hélas, já lá está dentro... só podem andar a brincar. Que eu saiba o futebol joga-se com duas equipas. A ideia é mais ou menos esta: uma tem a bola, tenta chegar ao golo, perde a bola; a outra equipa ganha a bola, tenta chegar ao golo, perde a bola; parece infantil, mas é assim. Há confronto físico, táctico, estratégico. Há erros: colectivos, individuais. Neste jogo a Irlanda não teve confronto físico, táctico nem estratégico. O tempo que a Espanha os deixou jogar não conta. Não estiveram em campo, ao menos do ponto de vista desportivo. Não competiram. De forma que o jogo da Espanha nem sequer é anti-jogo ou, como se constata, uma negação do futebol. É mais do que isso. Pode-se-lhes atribuir o mérito epistemológico de terem descoberto uma maneira alternativa de jogar futebol. A minha ignorância é que me não permite classificá-la. Além do Direito haverá outra maneira, outro sistema de organização da sociedade? Há, com certeza, mas não se descortinou ainda qual.

Tiveram ainda o mérito - reconheço - de encontrar uma fórmula. Mas é uma fórmula, caramba! E está a ser repetida, reproduzida, sem ser reciclada, reorganizada! da filosofia de jogo da espanha bem se pode dizer que é uma filosofia, verdadeira e própria: tem um sistema. Simplesmente é um sistema de tudo aquilo em que eu não acredito. É um sistema de lógica formal, lógico-dedutiva, género permissa maior permissa menor: a = b; b =c, c = a. Assenta numa lógica tautológica, circular. Ninguém na espanha sabe o que é uma espiral hermenêutica, ui, sabem lá eles isso. Não há emoção: só reprodução. Maquinismos. Ah e tal, o tiqui-taca... mas há lá beleza num mecanismo de relógio infalível? Numa fábrica de Modelos T? Sim, Crujff tinha mesmo isto em mente quando montou o barcelona nos anos 90 e criou esta filosofia, oh se tinha. Se já tivesse partido, estaria a rebolar. A admiração de Crujff e do seu séquito por isto é a do criador que julga ainda ver no monstro actual a forma de jogar que criou. Está muito longe disso. Portanto os encómios que o barcelona e a selecção espanhola recebem são filhos de um status quo vencedor e acrítico, por estas alturas já inexplicavelmente embevecido. Ando perplexo há 3 ou 4 anos com isto. A nossa emissão segue dentro de momentos.

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