I
A Espanha fascina-me, como já se deve ter percebido pela quantidade de tempo que tenho perdido a pensar nela, quando devia estar a pensar nos exames que me esperam a partir de dia 30. Espanha não, como se diria no Asterix... Castela. Sim, porque isto de chamar Espanha àquele país é uma daquelas anomalias e bengalas do discurso que todos usam sem pensar no que realmente quer dizer. Ah, lá estás tu a ser um... tinhoso, dizem. Pois, mas a Espanha é isso mesmo, uma anomalia, e das grandes. Do ponto de vista Histórico, sim, é um pouco, mas do ponto de vista político, ui, então é toda ela uma grande anomalia.
Vejamos, do ponto de vista Histórico, a Hispania era uma província do Império Romano, administrativamente dividida em Lusitania, Baetica e Tarraconense. A Lusitania foi a última região a ser conquistada pelos romanos, com a famosa sétima legião. Pronto. Já chega disto.
Do ponto de vista político tudo se torna mais interessante. Durante a reconquista, a Galiza, que por momentos teve umas ténues pretensões independentistas, teve azar, porque tinha Portugal a Sul e Leão a Este. Temos pena. D. Afonso Henriques tinha mais que fazer, e a Galiza acabou por ser incorporada por Leão. Estes também não tiveram muita sorte, outra vez por causa do território. Enquanto Portugal, Leão e Castela se expandiam para Sul, Castela foi avançando também para Oeste e acabou por cortar a trajectória de Leão, que ficou com uma ridícula faixa de terreno entre Portugal e Castela. Também eles foram incorporados. Os outros reinos, estilo Navarra e Aragão, sofreram as suas vicissitudes, apesar de terem uma boa política de casamentos. Não estou a inventar, eu sei mesmo isto. Só que também foram aglutinados. Agora já dá para ter uma ideia de como as coisas se passaram. Também dá para reconhecer que, apesar dos acidentes de percurso, Portugal foi o único Estado a conseguir resistir a estes estupores imperialistas.
Acontece que já no tempo de D. Afonso Henriques dava para uma pessoa se aperceber desta vontade de conglomerar tudo. O primo dele, Afonso, foi rei da Galiza, depois rei de Leão e rei de Castela, após o que foi proclamado Imperador de toda a Espanha, como então se disse, em 1135. Outra vez: toda, não, filho... Portugal também fazia - e faz - parte da Hispania, e não entrou nessa brincadeira, porque o teu primo Afonso I não quis saber dessa treta para nada.
Uns anitos mais tarde, naquela conferência de Zamora a que D. Afonso Henriques foi chamado a ver se o convenciam a aceitar a autoridade do primo como imperador, foi o Afonso VII que, reparem, não contestou o título de rei ao Henriques. Castela marimbou-se para isto e fez uma operação muito inteligente: Portugal deixava de entrar para as contas, deixava de fazer parte da Hispania, assim não teriam problemas de consciência em chamar ao país deles Espanha, como vieram a fazer. O propósito deste tipo era legítimo, como é óbvio. Restaurar a velha província romana. Assim como o do Carlos Magno, mas numa magnitude maior: restaurar o próprio Império Romano.
Quando conquistaram Granada, em 1492, era oficial e passou nas notícias: A Espanha era a maior! Com uma pedrita no sapato, porém... Portugal, que também tinha bué barcos e comercializava especiarias e tinha muitas praças além-mar.
Para quem não mandou ainda este texto à merda e foi fazer alguma coisa de interessante, tenho mais uma coisa gira a dizer: rio-me sempre que ouço alguém dizer que Portugal enquanto país não é viável. Espanha enquanto país é que não é viável! É uma construção formal, uma falácia política. A prova de que Espanha é uma anomalia histórica e política (embora menos a primeira e mais a segunda) é... Portugal. De modo que o que é viável é Portugal, é Castela, é Galiza, Astúrias, Andaluzia, Navarra e Catalunha.
O que irrita alguns destes povos é o facto de Espanha ser... Castela. Os catalães irritam-se do centralismo (eufemismo moderno para imperialismo) castelhano. Até nisto a Espanha é imperialista: não se diz espanhol, diz-se castelhano. Yo hablo castellano. Pois.
A única coisa que nos distingue das nações balcânicas é a religião e o bom senso. Somos todos naçõis christãs, civilizadas, e pollidas. O outros são cristãos, cristãos ortodoxos e muçulmanos e um pouco brutos. O que nos impediu de andar a brincar aos genocídios entre pontes e montanhas.
II
A selecção espanhola é o reflexo de tudo isto. E a filosofia que adoptaram como sistema de jogo também. É uma anomalia. Uma construção formal e falaciosa análoga à construção que ergueu um país. Não tem qualquer matriz social, antropológica. É uma pura lógica formal, matemática, circular. O mecanismo pendular e cartesiano com que jogam é bacteriologicamente puro e reduz-se a aforismos. Como tudo o que é matemático, é universalmente válido. É, em poucas palavras, uma fórmula. Como qualquer hipótese científica, é inicialmente considerada inovadora e genial para depois ser banalizada. O que a selecção espanhola ainda consegue fazer é mascarar a indolência do seu jogo com a eficácia.
O jogo contra a Irlanda, como já disse, não conta. Conta o jogo com a Croácia e o de ontem contra a França. O primeiro reduz-se a dois penáltis não assinalados a favor da Croácia e um golo da Espanha, com que ganhou, logo depois de um desses lances. O segundo reduz-se a 10 segundos em que Jordi Alba escapa pela esquerda, aproveitando-se de uma escorregadela do lateral francês - que não se lembrou de jogar com a mão para tirar-lhe a bola dos pés enquanto caía - cruza para Xabi Alonso e pronto. O resto é de uma chatice que já ninguém suporta! 700 passes? Penso que já é altura de se parar com os encómios e aleluias a isto.
Agora vou estudar Direitos Reais e depois ver o Inglaterra x Itália.